R. Euclídes Miragaia, 660 - Sala 94 - Sky II - Centro - São José dos Campos - SP
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Vem se tornando cada vez mais comum que  representantes ou diretores de empresas de pequeno ou médio porte recebam intimações  para comparecer a delegacias da Polícia Civil ou mesmo da Federal (esta ainda  em número pequeno) para prestar esclarecimentos sobre supostas denúncias de  sonegação. Na maioria das vezes essas intimações trazem também a exigência de  apresentação, à Polícia, de livros, talões de notas fiscais e outros documentos  de natureza tributária ou contábil.
      
      Por mais séria e organizada que seja uma empresa, tais intimações causam  preocupação, pois não é raro acontecer de fraudes serem praticadas sem o  conhecimento de seus proprietários. Assim, é natural que o responsável (sócio  ou diretor), não sendo familiarizado com as rotinas legais, encarregue seu  contador ou um advogado para acompanhar o assunto e, se for o caso, atender à  intimação.
      
      Todavia, não é legal qualquer intimação dessa natureza, que alegadamente  se ampare em denúncia anônima. De fato, a intimação é nula, devendo o  empresário ou seu preposto comparecer apenas para deixar claro que não dará  informações a que não está obrigado por força de lei. Convém que o faça  acompanhado por advogado, que registrará por petição o comparecimento e a  negativa, para a devida comprovação do atendimento. 
      As polícias – civil ou federal – possuem competência para investigar  crimes de sonegação fiscal, mas isso não lhes permite fiscalizar a escrita  fiscal ou contábil dos contribuintes, o que é de competência exclusiva das  autoridades fazendárias. Tal norma decorre da atenta leitura do inciso II do  parágrafo 1º e do parágrafo 4º do artigo 144 da Constituição, que cuidam da competência  das polícias. 
      
      A verificação da ocorrência do fato gerador, o exame de consistência da  escrituração contábil e adequação dos respectivos lançamentos e recolhimentos,  para que daí possa resultar lançamento de tributos e eventual exigência de  multas e outros acréscimos, são atos privativos dos auditores da receita ou dos  agentes fiscais de rendas. Assim, qualquer denúncia que chegue ao conhecimento  da autoridade policial, deve ser imediatamente encaminhada à autoridade  fazendária competente. 
      O artigo 37 da Constituição ordena que a administração pública obedeça  ao princípio da moralidade que, como é óbvio, não admite denúncia anônima,  ausente que está a possibilidade da apuração de eventual denunciação caluniosa.  O mesmo artigo cogita, ainda, da possibilidade de representação contra o  exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração  pública, o que se viabiliza com tal tipo de denúncia, pois ela pode ser  fabricada por qualquer um, apenas para gerar prejuízo ao serviço, como se  verifica muito nos casos de denúncias anônimas por telefone.
      
      Outrossim, o artigo 908 do vigente Regulamento do Imposto de Renda  (decreto 3.000 de 26/3/1999) , integrante do Capítulo I do Título III, que  trata da fiscalização do imposto, admite a denuncia por terceiros, desde que  observada a norma do seu parágrafo único, que é muito clara: 
      “A denúncia será formulada por escrito e conterá, além da identificação  do seu autor pelo nome, endereço e profissão, a descrição minuciosa do fato e  dos elementos identificadores do responsável por ele, de modo a determinar, com  segurança, a infração e o infrator.”
      
      No estado de São Paulo vigora a Lei Complementar 939, do dia 3 de abril 2003,  cujo artigo 19 afirma: 
      “A Secretaria da Fazenda não emitirá ordem de fiscalização ou outro ato  administrativo autorizando quaisquer procedimentos fiscais fundamentados  exclusivamente em denúncia anônima quando: 
      I - não for possível identificar com absoluta segurança o contribuinte  supostamente infrator;
      II - for genérica ou vaga em relação à infração supostamente cometida;
      III - não estiver acompanhada de indícios de autoria e de comprovação da  prática da infração;
      IV - deixe transparecer objetivo diverso do enunciado, tal como vingança  pessoal do denunciante ou tentativa de prejudicar concorrente comercial;
      V - referir-se a operação de valor monetário indefinido ou reduzido, assim  conceituada aquela que resulte em supressão de imposto de valor estimado  inferior a 100 (cem) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo - UFESPs.” 
      
      O Superior Tribunal de Justiça, em decisão do dia 11 de dezembro de 2012 (HC  193.562) decidiu que não basta denúncia anônima para autorizar investigação,  sendo necessário fato concreto, onde é verificada a veracidade da conduta  narrada na informação. Essa decisão refere-se a caso de tráfico de drogas, mas  o princípio é o mesmo.
      
      Não pode o contribuinte ser obrigado a comparecer a uma delegacia de polícia e  entregar documentos cujo exame é privativo de agente fiscal, pois assim  submete-se a ato ilegal, que é ser coagido a uma autoincriminação perante  pessoas que ou não são autoridades ou são autoridades incompetentes para, de  forma tecnicamente adequada, apurar a realidade.
      
      Esse direito que o contribuinte tem de só entregar seus livros e  documentos ao fisco, é reconhecido judicialmente. Trata-se da garantia  constitucional de não ser obrigada qualquer pessoa a prestar declarações ou  informações que representem auto-incriminação. Decidiu o Supremo Tribunal  Federal em várias oportunidades que: “Nemo tenetur se detegere: direito ao silêncio. Além de não  ser obrigado a prestar esclarecimentos, o paciente possui o direito de não ver  interpretado contra ele o seu silêncio. IV. Ordem concedida, para cassar a  condenação” (STF, HC 84.517/SP, relator ministro Sepúlveda Pertence, julgado em  19.10.2004).
      
      O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), no HC  2003.04.01.024851-2 também decidiu que: “A garantia contra a auto-incriminação  prevista no inciso LXIII do artigo 5º da CF/88 se estende a qualquer indagação  por autoridade pública, de cuja resposta possa advir a imputação da prática de  crime pelo declarante.” 
      No mesmo sentido é a doutrina corrente. Ada Pellegrini Grinover, citada  por Celso Bastos, em Comentários à Constituição Brasileira  de 1988 (Saraiva, S.Paulo, 2º volume, pág. 296) ensina que: “O réu, sujeito da  defesa, não tem obrigação nem dever de fornecer elementos de prova que o  prejudiquem”.
      
      O Professor Hugo de Brito Machado, em trabalho publicado no Jornal Síntese, também afirma que: “O contribuinte não tem o dever de prestar  informações ao Fisco, que possam servir como prova do cometimento de crime  contra a ordem tributária, ou qualquer outro. A não ser assim, ter-se-ia  violado o princípio da isonomia, posto que aos autores de quaisquer crimes, por  mais hediondos que sejam seus cometimentos, sempre é assegurado pela  Constituição o direito ao silêncio, vale dizer, o direito de não se  auto-incriminarem. O contribuinte não há de ser tratado diferentemente”.
      
      Celso Antônio Três, membro do Ministério Público Federal, em trabalho  publicado no dia 22 de dezembro de 2005 site juristas.com.br, comentou a questão de fornecimento de livros e documentos fiscais ao  próprio Fisco, concluindo que: “Esses documentos estão imunes à entrega  compulsória, de que resulte autoincriminação, pelos próprios réus. Na atividade  empresarial, existem vários livros obrigatórios e outros facultativos (livro  caixa, livro razão, livro contas-correntes, livro da produção, livro de  entradas, saídas, livro de estoques etc.). No âmbito fiscal, vários livros são  impositivos, vários deles previstos no Convênio de 15/12/70 do Confaz. Apenas  estes, os estritamente fiscais, estão obrigados à entrega compulsória. Os  demais, incluindo os empresariais, não.”
      
      Miguel Reale Junior e Heloisa Estellita, em trabalho publicado no jornal Valor Econômico de 15/01/2003 ensinam que: “Embora o  Fisco tenha direito a examinar livros e documentos e a solicitar da empresa as  informações necessárias à regularidade da arrecadação tributária, o  correspondente dever do contribuinte de atender a estas solicitações  encontra-se limitado pelo direito constitucional a não colaborar na produção de  provas contra si mesmo, direito esse que vale em face dos agentes fiscais.” 
      
      O direito à não auto-incriminação deve ser entendido como uma das  garantias individuais que se fundamenta na presunção de inocência. Não cabe ao  contribuinte provar que não sonegou. Cabe exclusivamente ao Fisco a prova de  sonegação ou fraude, que não se presumem. Mas de uma forma ou de outra, jamais  cabe à Polícia apurar supostas denúncias de sonegação, sem que haja lançamento  devidamente constituído, isto é, apurado mediante processo administrativo, não  se lhe permitindo, em hipótese alguma, basear-se em denúncia anônima.
      
      Como é público e notório, quaisquer empresas e mais ainda as de pequeno  e médio porte, são presas fáceis de golpes aplicados por facínoras. A  imaginação e o poder dos criminosos tem desafiado a eficiência do aparato  policial no mundo todo. Tanto assim, que já ocorreram casos de automóveis  comuns se transformarem em viaturas clonadas e policiais verdadeiros serem  confundidos com os falsos.
      
      Para prevenir-se diante desses crimes, o empresário deve adotar certas  regras básicas. A primeira delas é não compactuar com atos ilícitos. Sempre que  alguém, pretendendo auferir vantagem, aceita que um crime seja praticado, acaba  num primeiro momento se tornando cúmplice dos meliantes e sujeito às mesmas  penas em caso de condenação e, num segundo momento, transforma-se de maneira  bem pior em refém das verdadeiras quadrilhas que se multiplicam por aí.
      
      Não faz muito tempo uma empresa metalúrgica de médio porte recebeu pelo  correio um envelope contendo suposta intimação da Policia Federal e foi  informada por um profissional que lá esteve para ver do que se travava que  contra a empresa seria lavrado grande autuação, o que ensejaria um trabalho  destinado a tentar reverter o caso, com a interferência até de um político.
      
      O empresário procurou um advogado e a fantasia se desfez rapidamente,  ficando comprovado que a intimação era falsa e tudo não passava de uma  tentativa de golpe praticada de forma simplória por uma pessoa capaz de  imaginar que qualquer empresário é idiota. A intimação falsa foi formal e  legalmente entregue à Policia para a adoção das providências cabíveis contra o  espertinho mal sucedido.
      
      Em outro caso, numa delegacia da polícia civil, foi intimado um  empresário, eis que um policial afirmou que teria recebido na delegacia pessoa  que se recusou a identificar-se, mas que fez denúncia alegando que a empresa  estava vendendo sem emissão de notas. O policial fez questão de intimar o  acusado, apenas com base em alegação vaga de pessoa que não se identificou, em  ato evidentemente ilegal, diante do que o advogado do empresário compareceu e  fez ver à autoridade que a intimação não se sustentava. Com isso, perde a  polícia tempo precioso para investigar casos concretos e até pode prestigiar  pessoas de má índole interessadas em prejudicar o serviço público e a  credibilidade das instituições.
      
      Infelizmente esses casos não são muito raros. Mas quem ainda acredita na  possibilidade de sumir com processos, quebrar galhos em delegacias, não pagar  impostos mediante mágicas e outras autênticas pajelanças fantasiosas, que trate  de rever seus conceitos.
      
      Praticamente não existe mais sigilo em quase nada que se refira ao mundo  tributário. As informações são hoje transmitidas em tempo real I(ou on line,  como preferem alguns) e os cruzamentos de informações são presentes em quase  tudo. Portanto, qualquer empresa, por menor que seja, terá que ser super organizada  e possuir assessoria contábil de bom nível e, quando necessário, de uma  advocacia especializada que seja reconhecidamente apta a cuidar dessas  questões.
      
      Note-se que todo o aparato tecnológico que cuida dos controles da  tributação possibilita gerar erros diversos, seja por falhas humanas  decorrentes do excesso de informações que são processadas, seja pelas  deficiências técnicas dos equipamentos ou das falhas resultantes de eventuais  terceirizações na execução do trabalho ou mesmo pela instabilidade ou insegurança  dos sistemas de processamento de dados ou de transmissão dos dados, que podem  afetar-lhes a segurança.
      
      Além disso, a fantástica produção de novas regras legais e  administrativas acaba gerando dúvidas ou erros de interpretação que resultam em  autos de infração, onde muitas vezes são exigidos altos valores de tributos que  não são devidos ou multas absurdamente elevadas, com o que o trabalho dos  especialistas não se reduz.
      
      Aquela história de contratar um contador porque ele é amigo do fiscal  ficou perdida no século passado. E aquela outra, do servidor publico que se  aposentou como ministro ou diretor de repartição e agora virou consultor,  também não adianta. Na maior parte dos casos os chefes de repartição ou  ministros eram odiados pelos seus colegas de trabalho e não estão habituados a  trabalhar seriamente na defesa dos contribuintes. O máximo que fazem é  terceirizar o serviço ao recém formado, que ainda não teve tempo de aprender o  necessário. Não se brinca com autuações tributárias.
      
      
Raul Haidar
é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.